segunda-feira, 18 de abril de 2011

Genes adormecidos: da história da genética ao Jurassic Park


 A genética é a base do entendimento da produção de um ser vivo; é a ciência que estuda a hereditariedade. Ela sempre fez parte da vida das pessoas, mesmo das que jamais ouviram falar dela. Quem nunca ouviu: “_Fulano puxou o nariz do pai.”, “_Beltrano tem os olhos do avô.”. Isso é genética em sua definição mais pura, a herança de características.

A genética produz você, o ambiente complementa.

    Os povos antigos usavam-na em seu “melhoramento genético”, que pode também ser definido como seleção artificial. Imagine como deve ter sido difícil para esses povos ter a ideia de que, ao produzir sementes boas, o ideal não seria comê-las, mas sim plantá-las para produzir mais delas. É contra-intuitivo. O cérebro funciona de maneira óbvia: Comida boa? Coma! Comida ruim? Jogue fora!
    Mesmo contra a intuição, os antigos perceberam que se comessem as sementes ruins e plantassem as boas, no futuro teriam maior número de plantas que produziriam sementes boas. Os dados estavam lançados. Era só uma questão de tempo para que modificássemos a paisagem natural ao criar espécies novas. Um exemplo incrível é o da criação do milho a partir da domesticação do teosinte, feita pelos índios americanos nos últimos 10 mil anos.

 
1- Teosinte, 2- híbrido entre os dois e 3 - milho; a espiga aumentou de tamanho por melhoramento genético (seleção artificial).

    Apesar de fazer parte da história da humanidade, os primeiros passos da genética como ciência demoraram a ocorrer, e foram dados pelo monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), e um caminho muito longo foi percorrido desde então; passando pela descoberta da estrutura do DNA (Watson & Crick) em 1953, a clonagem, os transgênicos, e culminando na conclusão do projeto genoma humano.

Gregor Mendel; a molécula de DNA; Crick e Watson.

    Conforme o conhecimento humano aprofundava-se nos campos da genética e biologia molecular, a estranheza aumentava. Os cientistas tiveram que rever seus conceitos várias vezes.
    O primeiro engano foi imaginar que, por sermos, em uma visão quase religiosa “o ápice da evolução”, deveríamos ter um genoma mais complexo que os outros seres vivos, com maior número de genes ativos. O mapeamento do genoma de outros seres mostrou que não existe essa relação. E pior. Nos “envergonhamos” ao saber que até alguns seres unicelulares apresentam genoma maior que o nosso.

Polychaus dubium, protozoário com genoma aproximadamente 200 vezes maior que o nosso.

    Outra surpresa foi encontrar um número muito menor de genes do que o esperado (25.000 aproximadamente), indicando que 98% do genoma não produzia proteínas. Inicialmente esse DNA foi considerado “lixo”, mas atualmente sabemos que ele pode ter papel na regulação de síntese protéica nas regiões codificantes (que produzem proteínas). Agora as coisas começam a ficar interessantes, mas não menos estranhas. Parte desse DNA é formado por sequências repetitivas, mas partes são muito semelhantes a genes encontrados ativos em outras espécies. Seriam esses genes pedaços adormecidos de DNA comuns a nós e os outros animais, mostrando a nossa ancestralidade comum? Esses genes poderiam ser religados? Os outros animais também possuiriam sequências de genes inativos?
    A resposta é sim para as três perguntas. Existe uma teoria fortemente embasada que afirma que as aves atuais originaram-se dos dinossauros do grupo dos terópodes. Uma das principais evidências é o fóssil do Archaeopteryx lithographica, descoberto em 1861. Trata-se de um animal com características de dinossauros (dentes afiados, garras nos membros anteriores, cauda longa e ausência do osso esterno) e aves (penas).

Archaeopteryx litographica.

    A possibilidade da ancestralidade entre aves e dinossauros criou uma pergunta visionária. Estariam os genes de dinossauros inativos nas aves? E se estiverem, poderão ser religados? Poderíamos ver um dia animais muito semelhantes a dinossauros produzidos a partir de galinhas? É uma possibilidade fascinante. Ao invés de usar o martelo, o cinzel e o pincel, os paleontólogos do futuro usarão placas de petri e microscópios. O rugido dos dinossauros seria ouvido novamente após 65 milhões de anos.

"Galinhassauros"

    Alguns pesquisadores, como Jack Horner, autor do livro How to build a dinosaur (Como construir um dinossauro, em português)apostam nessa possibilidade. “Os genes envolvidos na formação de dentes, na construção dos dedos e em outros detalhes da anatomia dos dinossauros ainda existem no genoma das aves, mas foram silenciados”, explica a paleontóloga Mary Higby Schweitzer, colaboradora de Horner na universidade da Carolina do Norte. O grupo trabalha na tentativa de produzir cauda reptiliana e membros anteriores com dedos em aves.
    Seguindo a mesma linha, o pesquisador Matthew Harris, da universidade de Winsconsin, nos Estados Unidos, deparou-se com um achado fantástico. Identificou um embrião de galinha com dentes. Por algum motivo o gene para produção de dentes estava ativo nesse embrião. Agora é um fato: Os genes adormecidos às vezes acordam, espontaneamente!

Embrião de galinha normal e embrião com dentes.

    Os dinossauros do grupo dos terópodes apresentavam uma semelhança morfológica gritante com as aves, como podemos ver na comparação entre a reconstituição do galimimo e uma avestruz moderna. A ancestralidade reptiliana das aves está lá. Lutando para vir à tona. Quem sabe não possamos dar uma mãozinha? O Jurassic Park insinua-se à nossa porta. 

Avestruz e Galimimo, cujo nome significa “imitação de ave” devido ao formato de seu corpo.

    Os meios não são os mesmos imaginados por Steven Spielberg. Em sua ficção, o diretor imaginou a clonagem a partir de DNA retirado de pernilongos que se alimentaram de sangue dos dinossauros, e acabaram ficando preservados em âmbar (resina vegetal fossilizada). Esse método mostrou-se muito improvável, pois as moléculas de DNA não resistem aos milhões de anos passados desde a fossilização. A ciência atual, por outro lado, está partindo para algo que podemos definir como "engenharia reversa".

Inseto preso no âmbar e o Parque Jurássico da ficção.

    Vivemos um período excitante de descobertas na ciência. O futuro abre-se paradoxalmente como uma janela para o passado. O DNA faz parte do nosso cotidiano, e as maravilhas da genética estão ai para deslumbrar aqueles que sabem observar.


Artigo publicado originalmente Curso Athenas por mim.