quinta-feira, 21 de abril de 2011

Vida extrema: os habitantes da escuridão

A origem da vida é um evento altamente improvável, pois depende do surgimento de uma molécula capaz de replicação a partir de compostos mais simples. É um evento tão improvável, que até agora pelo que sabemos, ocorreu apenas uma vez no universo (apesar de eu não acreditar que tenha sido só essa vez). Bom, se eu escrevi isto e você leu, fica óbvio que esse surgimento da vida conhecido ocorreu aqui na Terra.
    Tão verdadeiro quanto à improbabilidade do surgimento da vida é o esforço que essa mesma vida faz para se manter após ter surgido. No planeta, os seres se adaptaram aos mais diversos ecossistemas, alguns impossíveis de imaginar a alguns anos. Podemos encontrar seres extremófilos em vários ambientes, como chaminés vulcânicas no assoalho oceânico em zonas abissais, lagos salinos, ácidos ou com temperaturas altíssimas, regiões de gelo eterno na Antártida e em cavernas onde nem os nossos melhores sensores são capazes de captar um único fóton. Nesses ambientes, a vida precisa driblar dificuldades tão grandes que, nós seres comuns que vivemos em condições "light" nem conseguimos imaginar, e a maioria não conseguiria se adaptar.


 Chaminés hidrotermais no fundo do oceano, um ecossistema frágil sustentado pela quimiossíntese feita por bactérias.

 Lago Mono, na Califórnia-EUA. O lago apresenta uma grande concentração de sais, dificultando a sobrevivência da vida comum. Impressiona a aparência quase extraterrestre do local.

    Um dos ecossistemas extremos mais comuns são os de interior de cavernas. Muitas vezes quando uma caverna se forma, alguns seres vivos podem ser levados para lá e acabarem presos, como por exemplo, uma lagoa subterrânea formada por um rio que passava por ali e que diminuiu seu volume. Nesse caso, vários animais do rio original podem ficar isolados naquela caverna. O isolamento possibilita que ocorra especiação.

 Lagoa subterrânea em Messalini-Grécia.

    Um ambiente subterrâneo impõe pressões seletivas especiais. A maior parte dos seres do planeta depende da energia solar, pelo menos indiretamente. Os produtores (fotossintetizantes) captam a energia luminosa e a armazenam na forma de energia química nos compostos orgânicos (como a glicose). Os animais utilizam essa energia alimentando-se dos produtores. 
    Em um local de, em muitos casos, escuridão total, é impossível a presença de seres fotossintetizantes, tornando essa região dependente do meio exterior. A ausência de luz acaba restringindo a alimentação a restos de comida trazidos por rios subterrâneos, fezes de morcegos, animais que entram por engano na caverna e acabam morrendo e, em pequena escala, às bactérias quimiossintetizantes que também fornecem alimento ao ecossistema cavernícola.
    Em um ambiente com tantas restrições alimentares, a evolução tende a punir o desperdício (na verdade ela costuma fazer isso em qualquer ambiente) e favorecer indivíduos que diminuam seus gastos. Uma adaptação fácil de prever em animais troglóbios (só vivem na escuridão) é a redução do tamanho e diminuição do metabolismo. Essas medidas diminuem a necessidade de nutrientes.
    Outras características comuns são a ausência de olhos e pigmentação. Mas como essas características podem ter surgido e tornado-se as mais comuns na população?
    Com certeza, a mutação é a fonte de novas características, mas ela por si só não pode ser definida como vantajosa ou prejudicial. Quem decide o que é bom ou não é o ambiente, através da seleção natural. Imagine um peixe que nasça com uma mutação que impeça a formação dos olhos. Muito provavelmente esse indivíduo levará desvantagem na procura de alimentos e fuga de predadores.  Mas, se esse peixe nasceu em um ambiente sem luz, de que lhe serve enxergar? Seria uma vantagem tremenda não gastar energia (rara na caverna) na produção de olhos.
    Outro detalhe que fica fácil de perceber é o seguinte; em um ambiente onde os animais não conseguem enxergar, ou nem olhos têm, qual seria a vantagem da pigmentação? Para que gastar energia produzindo coloração atrativa ou de camuflagem se nenhum parceiro sexual ou predador poderá te enxergar? Um animal albino poderia ser bem sucedido nesse local. Observe o esquema abaixo:

 Esquema de adaptação ao ambiente cavernícola. Os animais tendem a perder os olhos e a pigmentação, o que leva a uma economia de energia, muito importante em um ambiente com poucos nutrientes. A sequência de mutações (lembrando que são aleatórias) não precisa ser necessariamente essa (poderia ser o inverso).
  
    Existem diversos seres adaptados às condições encontradas em cavernas. Por ser um ecossistema restrito, essas espécies são bastante ameaçadas de extinção. O homem pode causar o desaparecimento dessas populações através de atividades de mineração, pela poluição dos rios e até mesmo pelo turismo excessivo, perturbando essas cadeias alimentares frágeis.
    Conheça alguns curiosos troglóbios abaixo:


 Lagosta cega e transparente: exemplar de uma das 39 espécies conhecidas da América do Norte.


 Piranha cega brasileira (Stygichthys typhlops): espécie encontrada em caverna de Minas Gerais.


 Peixe cego das cavernas (Astyanax mexicanus): espécie originada do peixe tetra comum. Encontrado em cavernas no Texas e México.


Salamandra (Proteus anguinus) com olhos atrofiados e sem pigmentação. É um animal de grande longevidade, sobrevivendo em média 70 anos.

O pseudoescorpião Titanobochica magna, troglóbio recentemente descoberto em Portugal. 

    A vida pode ser um dos fenômenos físico-químicos mais espetaculares do universo, mas com certeza a sua característica mais impressionante é a persistência. Não sabemos em quantos planetas mais a vida se aventurou, mas quase podemos garantir que, se ela surgiu, ainda deve estar lá esperando que nós a encontremos. Observando os ambientes mais inóspitos da Terra e vendo toda a luta da vida para se manter, podemos ter um vislumbre do que outros mundos podem nos aguardar.


Artigo originalmente publicado em Curso Athenas por mim.

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